segunda-feira, 10 de junho de 2019

Capitães de Areia





Pintei esta aquarela no Encontro Urban Sketchers Brasil em Salvador, 2018. Estávamos no Solar do Unhão, em frente à comunidade da Gamboa. Lugar incrível, lindo, com uma energia muito forte. Foi restaurado pela fantástica Lina Bo Bardi nos anos 70, sede do Museu de Arte Moderna da Bahia. 
Enquanto desenhávamos, prestei a atenção nesses guris, que chegaram munidos de seus óculos de natação, animados para mergulharem, a partir do muro de pedra do Solar. Ficaram um tempo ali, à vontade, todos sem camisa (isso sempre é meio estranho para um caipira curitibano acostumado a baixas temperaturas rs), ignorando os desenhistas e turistas. Falavam sobre baladas e crushes, acho. Até que chegou um outro conhecido deles, bem mais marrento e um pouco mais velho, que deu umas lições de moral e o assunto descambou pro futebol. Se não me engano, o time em questão era o Vitória. 
Registrei os piás, emoldurados pela sombra de máquinas e rodas antigas de ruínas do cais. Depois, na hora de expor os desenhos, minha amiga Alejandra Hernández Muñoz cravou que eu havia desenhado os “Capitães de Areia”, famosos personagens do livro de Jorge Amado. E logo, minha outra amiga Alessandra Simplício ao ouvir nosso papo, e por ter gostado do resultado (e muito fã do livro de Jorge), adquiriu a aquarela. O que me deixou felicíssimo! Sempre gosto de que meus desenhos favoritos fiquem em mãos certas, perto de pessoas queridas assim. Obrigado às duas! 
No livro Capitães de Areia, Jorge Amado retrata a vida de um grupo de menores abandonados, que crescem nas ruas de Salvador, vivendo em um trapiche, roubando para sobreviver. Tem muito a ver com a cena e o desenho que fiz. Foi como se a literatura tivesse tomado forma por uns instantes e nos presenteado com uma pequena fração de fantasia, ou como se tivesse aberto uma lacuna entre real e imaginário. Hoje, tenho até dúvidas se esses guris estavam mesmo lá, ou se todos nós, urban sketchers, os imaginamos assim – sob as sombras das antigas rodas do cais, pintados em aquarelas alimentadas por gotículas de água salgada do mar, estourando suas ondas na praia da Gamboa e respingando em nós. Eles estão sempre por lá, afinal. E nunca envelhecem.

(Fabiano Vianna, Salvador setembro 2018)





Nenhum comentário:

Postar um comentário