sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Medalha na Rua São Francisco


Não me lembro de ter ganhado algum medalha na vida, pois nunca fui o mais veloz, nem bom nos esportes. Não jogava xadrez, tão menos lutei judô.
Na escola, ganhei alguns concursos de desenhos para capas do “Nossas Cabecinhas Todas Juntas” – uma antologia anual com redações dos alunos.
Meu negócio era mesmo o desenho.
E hoje fui condecorado por um amigo da rua.
Se não me engano o nome dele era Hudson. (Não consegui compreender, mesmo depois de perguntar três vezes).
Hudson estava meio chapado.
Ele disse que o meu desenho era coisa de doido, maluco e que eu tinha ido looooongeeee, alcançando até mesmo a torre da Igreja da Ordem.
Disse que não queria questionar meu profissionalismo, mas fazer um desenho como o que fiz (e que agora pertence ao brother croquizeiro Maurício Goez), não era coisa de gente normal. E eu merecia uma medalha por isso.
Eu ri e agradeci, lógico.
Despedimos-nos e ele pediu que eu levasse uma ‘fotocópia’ para ele. A coordenada seria a Rua do Rosário, onde ele trabalha durante a semana como guardador de carros.
Assenti e atravessei a rua em direção aos outros croquizeiros, ansioso e curioso para ver o que os amigos tinham feito.
Depois de um tempo, quando já iniciado nosso magnífico e estreante evento Croqui Secreto, Hudson voltou. E apareceu apenas para me entregar meu prêmio: uma medalha em forma de chaveiro, com o mapa do Panamá. 



Fotos por Cassio Shimizu


 Fotos por Rafael Pto

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Pizzaria Itália



A Pizzaria Itália é uma lanchonete totalmente vintage, no centro de Curitiba, que oferece uma vitamina psicodélica rosa, a qual possui uma receita secreta. Eu sei os ingredientes, mas não posso divulgar.
Frequento desde bem novo, quando ia para o centro com minha mãe. O acordo era que, depois de uma pernada pelas lojas, deveríamos sempre terminar o dia comendo uma pizza e bebendo uma vitamina. A pizza é vendida em fatias, e de sabor único: grossona com muito queijo.
Fica na Rua Cândido Lopes, perto das Lojas Americanas e Galeria Tijucas.
Com o tempo percebi que era o local ideal para detetives, pois as paredes são todas revestidas por espelhos. É possível observar o movimento de todos os ângulos e cuidado: o guardanapo não limpa! É daqueles que só espalha a gordura. Mas isto se torna tão habitual, principalmente pela forma que eles se alinham – parecendo montanhas em leque, que você passa a gostar.
Outro perigo é de você trocar de posição com seu reflexo e entrar na cidade errada. Quando isso acontece, você passa a segurar a caneta com a outra mão e tudo fica ao contrário. Relógios, volantes, placas, anúncios. Daí o negócio é voltar até a pizzaria e atravessar novamente o espelho. 

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A Casa Estrela

Foto de Washington Takeuchi

Acho que fui um dos cinco primeiros a chegar, quando encontrei o professor Ivens Fontoura – um dos responsáveis, ao lado de Claudio Forte Maiolino, pela reconstrução da Casa Estrela na PUCPR.
Ivens me explicou que o nome da casa é uma referência ao formato da construção, cuja planta é baseada em uma estrela de cinco pontas. E que em cada ponta da casa, existe um continente.
Construída em 1930 pelo exímio contador Augusto Gonçalves de Castro, a casa foi moradia da família até os anos 90. Vivendo entre gigantescos arbustos de hortências e raios solares diagonais.
Adepto da Teosofia e Esperanto, Castro escolheu dar uma forma à casa que simbolizasse os ideais pacifistas e de unidade dos povos que estas duas correntes expressam. O contador levou aproximadamente quatro anos para concluir a construção. (Mas há quem diga que esticou até o quinto, esmerando-se na pintura, só para fazer sentido).
O trabalho foi desenvolvido com auxílio de ferramentas precárias e um lampião de carbureto, sempre após o expediente normal na empresa Macchine Cottons onde exercia a função de contador.
A casa ergueu-se sob a luz do carbureto.
E, refeita, mantém esta atmosfera. O sol escorre pelas linhas das tábuas e dorme embaixo da pequenina escada, no porão. Por isso que às vezes não dá as caras aos curitibanos.

Mario Freitas

Paco Steinberg

Há quem diga: “A cobertura é feia, esquisita e foi estruturada toscamente – na base da tentativa-e-erro”. Mas quando vejo de cima, apaixono-me sempre. Sinto vontade de colocá-la no bolso. Existe para mim, muita beleza na concepção inocente. O telhado multifacetado obscurece a tacanhice dos construtores metodistas mascarados. Não há regras quando o efêmero transforma-se em eterno, nem quando a candura rege a verdade.
A casa está segura, sob as asas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e em nossa memória, ou seja, no tempo.
E se você captar o comentário “O carpinteiro deve ter improvisado”, responda que não existiu tal pessoa. Augusto construiu sozinho, munido apenas de uma serra de arco artesanal.
Ivens enumera-me uma quantidade incrível de personagens que fizeram parte da história da casa, e reforça que, conectados por linhas, formam inúmeros pentagramas sobrepostos.
Num deles está o automóvel marca Buick que Augusto trocou por um lote de madeira de pinho, vigas, vigotes, ripas e tábuas com 12 polegadas – ligado ao documento do alvará assinado pelo engenheiro Júlio Moreira, Diretor de Obras da Prefeitura de Curitiba.
Noutro, alfinetes com nomes dos teosóficos Pitágoras, Jakob Böhme, Helena Petrovna Blavatsky, Henry Steel Olcott e William Quan Judge. Justaposto ao traçado de um mapa do bairro Alto da Glória e interligado ao nome de Ludwik Lejzer Zamenhof – iniciador do Esperanto.
Em cada ponto em que as estrelas se tocam, cresceu uma árvore.
O Reitor Irmão Clemente Ivo Juliatto, que é um dos cinco que chegaram cedo, conta-me que o terreno da PUCPR onde a casa foi instalada era um espaço para mudas – das árvores a serem plantadas no campus. E que algumas raízes, depois de um tempo, ultrapassaram os pacotes e fixaram-se ao solo. O que me leva a pensar que elas queriam ficar ali, ou foram arquitetas e decididas dentro de um diagrama maior.

Paco Steinberg

Simon Taylor

Depois o dia correu no mais perfeito caos. Os croquiseiros chegaram, comemoramos seis meses de encontros ininterruptos e fizemos muitos desenhos. Muitos olhares e técnicas diferentes compuseram um panorama fantástico. E o sol, que mora no porão, se recolheu à tarde, abrindo caminho para uma tempestade fabulosa que rematou nossas atividades. (Por sorte Ivens trancou as aquarelas num baú).

Fabiano Vianna

Raquel Deliberali

Fabiano Vianna

Amir Samad Shafa

José Marconi

José Marconi

Dante Mendonça

Marina Luxi

Cassio Shimizu

Fabiano Vianna por Washington Takeuchi

E enquanto eu esperava um táxi no portão 1, contemplando a chuva, conversei com o guarda noturno da universidade, Diogo. Ele passa a noite toda acordado, na guarita. Ou caminhando durante aquele setor.  
Disse-me que algo paira sobre a Casa Estrela. Morcegos e Corujas sobrevoam o telhado todas as noites. As árvores movem-se ao contrário e sombras perambulam pelas pequenitas escadas.  E falou que, de vez em quando, no silêncio da madrugada, é possível ouvir a respiração ofegante de um homem trabalhando e o som de uma serra – cortando madeira.



(Fabiano Vianna, 02/09/13)

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O Bosque Circular


... capturar o Bosque do Papa num desenho circular. Trezentos e sessenta graus. Mestre Marconi trouxe o caderno – com páginas brancas coladas umas nas outras e eu esbocei a panorâmica. Apoiamos o caderno no palco cíclico que virou uma mesa. Onde acontecem as danças em dias de festas.
Porém, o que parecia simples no começo, tornou-se complexo, devido ao curto espaço de tempo – duas horas, e grande quantidade de elementos: árvores, casas, jardins, caminhos, duendes... Eu disse duendes?
E o círculo não se fechava. O desenho começava numa ponte e terminava nela mesma, porém era diferente. E tenho quase certeza que as árvores se moviam. Inclusive os homens-azuis também disseram isso. E dá-lhe aquarela, respingos de tinta, traços em nanquim e spray. Di Magalhães, Fernando Nolasco, Caroline Lemes, Giovana Lago, José Marconi, Lia Rossi, eu e Cassio Shimizu.
Alternávamos posições e cada um via/desenhava um bosque. Na intersecção dos planos, formou-se um abismo negro e foi de lá que todas as coisas surgiram: besouros de cabeças azuis com olhos nas costas, amores perfeitos, árvores barbadas, casas de madeira, burburinhos e discussões miniaturas.
Não era possível ver o fim do caminho de pedras.
De repente, um lápis branco jogado no meio da relva...
– Onde está minha lapiseira?
Nosso objetivo era...

(18/07/13)





O nanquim que escorre entre os prédios


Ontem nós – croquiseiros urbanos nos encontramos na Praça das Nações. A missão era capturar a panorâmica da cidade, linha do horizonte composta por prédios minúsculos. De lá é possível observar Curitiba de um ângulo muito privilegiado – de cima para baixo. A Praça fica no entroncamento (com via elevada) das avenidas Nossa Senhora da Luz, Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco, Sete de Setembro e Rua Raphael Papa – divisa de bairros entre o Alto da Rua XV, Cristo Rei, Jardim Social e Tarumã. Amparados e protegidos por um mural de azulejos, coloridaço, de Poty Lazzarotto.
Eu cheguei atrasado em virtude a uma tragédia caseira envolvendo um frasco de nanquim rebelde que abriu dentro de minha bolsa. (Me senti como o adolescente que deixa o tubo de cola abrir dentro da mochila). Atropelado por uma tsunami negra, fui o caminho todo desviando de nuvens de nanquim fantasmagóricas e tentáculos de polvos delirantes. Só consegui chegar ao local marcado, graças a capitã Raquel Deliberali, que firme no timão, manteve a embarcação de pé em meio a ondas negras assombrosas.
Quando eu e Raquel chegamos à Praça, os mestres José Marconi, Reinoldo Klein, Gustavo Ramos, João Paulo e Simon Taylor já estavam mandando ver numa composição conjunta, de papéis conectados, proposta pelo Marconi – Pajé urbano, jedi da arte, entusiasta dos desafios gráficos.


Foto: Raquel Deliberali

Marconi gosta de provocar novas empreitadas.  E são estas campanhas que nos movem a improvisar. Utilizar os olhos & mãos & pincéis & braços & mente de formas não imagináveis. Foi ideia dele, durante a semana, que fizéssemos um painel único, a várias mãos. Para tentar assim capturar a panorâmica. Nunca tínhamos feito isso. Nos outros encontros, sempre desenhávamos casas isoladas. No máximo uma vila delas ou prédios altos.
O local também influiu na inovação, arremetendo suas improbabilidades sobre nós.
Chegamos ao ponto marcado junto com uma dupla de rappers, que inclusive vieram no mesmo ônibus de Wagner Polak. Os caras foram até lá em cima para bater umas chapas. Afinal rappers sempre fotografam com prédios atrás. (Deve fazer parte do pacote. Heheh). E enquanto eu e Wagner – retardatários do dia, decidíamos o que íamos desenhar, o rapper mostrava para os outros colegas o seu último CD gravado – o qual possuía a emblemática faixa intitulada “Trampo de Pedreiro”. 


Foto: Gabriela Alves

Depois de me contar que seu guarda-chuva fora roubado durante o percurso ( o que me deixou tristíssimo, afinal tínhamos nomeado símbolo dos croquiseiros curitibanos),  Wagner teve a ideia de montarmos uma tripa de Canson, e desenharmos uma panorâmica, como nossos colegas estavam fazendo. Fizemos isso, cooptando Cassio para a missão – que começava um promissor desenho com traço branco em papel preto. O desenho branco no preto de Cassio-man teve que ficar para outra oportunidade...
Apelidamos nossa obra de “A Tripa dos Retardatários” e Simon logo emendou que a outra seria “A Tripa dos Pontuais”.
Quando iniciamos eram quase 11 horas, o que nos obrigou a resolver a peleja em apenas uma hora, que é o limite temporal máximo proposto pela prática do Sketch Crawl. (Os desenhos sempre devem ser finalizados no horário pré-agendado no evento).
E dá-lhe traços nervosos, velozes, como se nossos dedos fossem pincéis. Não havia espaço para canetas finas 0.4 nem para lapiseiras 0.9. A batalha teve que ser encarada com grandes pontas e pincéis grossos. Foi uma corrida contra o tempo. O cenário foi sendo sorvido aos poucos, pelo painel. (Imagine se ao ser desenhado, desaparecesse do mundo real...). Sugamos carros, árvores, poste, grafite Grood, painel do Poty, caixa d´água, construção do Lolô Cornelsen, o parapeito onde estávamos...



Fotos: Raquel Deliberali

Lembrei que Van Gogh, ao pintar girassóis, ficava impaciente (para não dizer – puto), porquê as flores murchavam antes que ele terminasse a tela. Monet também pintou diversas versões da mesma vista, na Estação Saint-Lazare, em Paris. Em diferentes épocas do ano.
Longe de mim, comparar a estes gênios. Mas a sensação de apreensão do tempo é parecida. Durante o processo, eu tinha vontade de sobrepor os carros, como fazem alguns fotógrafos, ao submeter o diafragma a extensos tempos de abertura. E superpor os movimentos de todos os transeuntes que passaram – o ranzinza com calça de pijama, o casal de ciclistas apaixonados, os rappers, jornalistas da Gazeta...
Falando nisso, enquanto desenhávamos, foram chegando outros participantes, como a fotógrafa Gabriela Ferreira, que registrou a cena com olhos mecânicos fantásticos. Raquel Deliberali também fez isso, circundando o platô, indo de lado a outro da Praça, capturando tudo.
Ao final concluímos duas imensas tripas urbanóides desenhadas. Fragmentos longilíneos de Curitiba. Cada uma com um aroma específico.
Alguém pode até conjecturar que tratam de suas cidades diferentes – uma mais delgada que a outra. Ou que sejam duas apreensões de tempos diferentes, afinal um grupo começou antes que o outro. Enfim, várias interpretações são possíveis. Até porque existem muitas Curitibas em Curitiba. E mesmo que desenhássemos todo dia, no mesmo local, os desenhos seriam totalmente diferentes um do outro.
Neste exato momento, Curitiba esvai-se pelas ruas do viaduto e modifica os olhos da caixa d´água da Sanepar, a cada novo rasante dos quero-queros, que matam a sede na torneira do mural do Poty.
A cidade se move e modifica como o nanquim, que esparramou na minha mochila antes de sair de casa.
Ela escorre pelos bueiros, como se fosse tinta. As construções, às vezes são apagadas e substituídas por prédios novos. Seus traços são definidos por pinceladas, por traços ora grossos e finos. (depende da altura e da distância de quem olha).
Dizem que a cidade surge de uma torneira que nunca fecha.

(20/05/13)


"Não importa o formato, o tamanho, por quantas mãos passe o desenho. O importante são as pessoas reunidas explorando os traços e o companheirismo, o(s) objeto(s) de trabalho é (são) um mero pretexto para reunir as pessoas."

Cassio Shimizu