segunda-feira, 10 de junho de 2019

Capitães de Areia





Pintei esta aquarela no Encontro Urban Sketchers Brasil em Salvador, 2018. Estávamos no Solar do Unhão, em frente à comunidade da Gamboa. Lugar incrível, lindo, com uma energia muito forte. Foi restaurado pela fantástica Lina Bo Bardi nos anos 70, sede do Museu de Arte Moderna da Bahia. 
Enquanto desenhávamos, prestei a atenção nesses guris, que chegaram munidos de seus óculos de natação, animados para mergulharem, a partir do muro de pedra do Solar. Ficaram um tempo ali, à vontade, todos sem camisa (isso sempre é meio estranho para um caipira curitibano acostumado a baixas temperaturas rs), ignorando os desenhistas e turistas. Falavam sobre baladas e crushes, acho. Até que chegou um outro conhecido deles, bem mais marrento e um pouco mais velho, que deu umas lições de moral e o assunto descambou pro futebol. Se não me engano, o time em questão era o Vitória. 
Registrei os piás, emoldurados pela sombra de máquinas e rodas antigas de ruínas do cais. Depois, na hora de expor os desenhos, minha amiga Alejandra Hernández Muñoz cravou que eu havia desenhado os “Capitães de Areia”, famosos personagens do livro de Jorge Amado. E logo, minha outra amiga Alessandra Simplício ao ouvir nosso papo, e por ter gostado do resultado (e muito fã do livro de Jorge), adquiriu a aquarela. O que me deixou felicíssimo! Sempre gosto de que meus desenhos favoritos fiquem em mãos certas, perto de pessoas queridas assim. Obrigado às duas! 
No livro Capitães de Areia, Jorge Amado retrata a vida de um grupo de menores abandonados, que crescem nas ruas de Salvador, vivendo em um trapiche, roubando para sobreviver. Tem muito a ver com a cena e o desenho que fiz. Foi como se a literatura tivesse tomado forma por uns instantes e nos presenteado com uma pequena fração de fantasia, ou como se tivesse aberto uma lacuna entre real e imaginário. Hoje, tenho até dúvidas se esses guris estavam mesmo lá, ou se todos nós, urban sketchers, os imaginamos assim – sob as sombras das antigas rodas do cais, pintados em aquarelas alimentadas por gotículas de água salgada do mar, estourando suas ondas na praia da Gamboa e respingando em nós. Eles estão sempre por lá, afinal. E nunca envelhecem.

(Fabiano Vianna, Salvador setembro 2018)





sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Transitório - Exposição João Paulo de Carvalho


Numa época de sobreposições, descartabilidades e obscenidades gráficas em que vivemos, as aquarelas sensíveis de João Paulo de Carvalho são um oásis. Nunca este universo foi tão caro e inspirador. Uma lacuna no tempo-espaço de nossas rotinas caóticas.  
João, filho de Hopper e de tantos outros gênios, paralisa o transitório em aguadas – adormece o sol e esquenta nossos olhares. 
São fragmentos de dia-a-dia que guardam a memória de milhares de fotografias não fotografadas. A memória da cidade – desta ou qualquer outra. Porque são personagens comuns a todas elas – o senhor que transforma o petit-pavé em sombras esperando as árvores secarem, o andarilho levado pela sombra da bengala a passear, o amigo do cão velho, a moça que passa em branco sobre a rua, dois amigos que conversam sobre lembranças acinzentadas do passado, um homem que olha para fora do limite do papel, um cara de boné e guarda-chuva protegido duplamente por espessas pinceladas escuras...
Como nossos antepassados impressionistas, João caminha pelas cidades – munido de seu olhar antigo, ingênuo e escancarado – tal qual um flâneur contemporâneo, mas que ao contrário do nobre personagem de Baudelaire, guarda para si alguns momentos. São postais urbanos. Colecionismo aquarelado. Álbum de figurinhas em preto e branco.  Quem não gostaria de colecionar cenas-de-João? 
Coincidentemente, João é um dos nomes que Dalton Trevisan mais utilizou em seus contos pelas ruas de nossa cidade. Nosso querido vampiro utiliza de nomes tradicionais como este para representar através do comum, o intrínseco e excepcional no cidadão imaginário. Simulacros da vida real. 
Assim como nosso vampiro, João transita invisível pelas ruas. Sempre sedento, mas sem medo do sol. (São tantos Joãos, Marias, Trevisans nas pinturas dele!) 
A cidade repete seus heróis, para nos reconhecermos neles.  
Assim como as criações de Hopper, Dalton Trevisan e Baudelaire, as aquarelas de João ficarão para além de nós e falarão melhor sobre nós do que nós mesmos. Deste tempo, desta cidade, de nossos contemporâneos. Como crônicas desenhadas de pessoas que podem ou não terem sido reais. Mas que de uma forma ou outra, viverão para sempre, adormecidos pelo magnífico sol ou protegidos na sombra das manchas do mestre e colecionador João Paulo de Carvalho. 

(Fabiano Vianna, Agosto 2017)

Frida Kahlo - 110 Anos

Tive a honra de participar desta exposição - Frida Kahlo 110 Anos, escrevendo o texto de apresentação e outros contos sobre a vida dela. Inicia amanhã, dia 11 de novembro, a partir do meio-dia. 
12 artistas expressam em suas obras a vida e momentos importantes de Frida. 
Dia: 11 de Novembro de 2017
Local:Instituto Cervantes de Curitiba 
Rua Ubaldino do Amaral, 927 - Alto da Rua XV (Local da Fábrica e Instituto Goethe)
Período exposição: 13 de novembro a 16 de dezembro




Frida Kahlo está deitada numa cama que flutua sobre a cidade de Curitiba. Dela saem fios vermelhos que a conectam com os 12 artistas que integram esta fantástica exposição: Adelina Nishiyama, Alvaro Posselt, Andrea Horn, Birgitte Tümmler, Cecifrance Aquino, Elisabeth Sekulic, Lucy Reina Orquiza, Nani Silveira, Rodney Rauth, Rogério Borges, Sandra Köche e Simone Sgorla.
Seus olhos criativos flanam pelas ruelas da casa da pequena que cresceu protegida por imensos braços de samambaias, caveiras de papel, cachorros de argila, gansos de gesso, colossos de barros e gatos bípedes em Coyoacán, no México. Numa casa de paredes azuis, cactos íntimos, borboletas garatujadas e pequenos lagos de memórias diluídas.
As lembranças escorrem pelas mãos dos artistas, em novas interpretações – pictóricas, desenhadas, esculpidas.
Para recriar o universo de Frida é preciso atravessar espelho, o que a acompanhou e refletiu a vida toda, instalado por sua mãe, na cobertura de sua cama selvagem. Alguns outros espelhos podem revelar Frida, só é preciso olhar no ângulo certo. E é isso que estes 12 artistas fazem com maestria.
(Outras telas que ela nunca pintou, permanecem escondidas e intactas, do outro lado do espelho).
Fora de seus corpos e amarrados à Frida por fios vermelhos, voltam ao México, Paris, Nova Iorque. Durante a viagem, as sobrancelhas crescem, a perna afina, o esqueleto estrala.
Vivemos, hoje, numa época marcada pela saturada replicação de rostos em selfies e autorretratos de câmeras digitais. Pensar que ela passou toda sua existência tentando se ver, criando autorretratos. E até hoje ainda é possível vê-la (do outro lado espelho, deitada sobre a cama), replicando seus retratos, recriando os mesmos sentimentos, percorrendo novos possíveis caminhos.
Talvez esta exposição seja uma continuação de seu trabalho, ou façamos isso com ela através dos tempos. Uma história que continuará a ser escrita a distância e em diversas partes do universo.
Criar para tornar legítimo; palpável. O real só torna-se real quando é desenhado; esculpido; escrito; fotografado.
As faces de Frida flutuam sobre um vasto mar vermelho cádmio que banha as praias dos esqueletos dos encarnados, sob o olhar atento daqueles que já subiram e vivem aqui, em locais mais altos que as pernas dos murais de Diego Rivera.
(Fabiano Vianna, Novembro 2017)



Frida Kahlo está acostada en una cama que flota sobre la ciudad de Curitiba. De ella salen hilos rojos que la conectan con los 12 artistas que integran esta estupenda exposición: Adelina Nishiyama, Alvaro Posselt, Andrea Horn, Birgitte Tümmler, Cecifrance Aquino, Elisabeth Sekulic, Lucy Reina Orquiza, Nani Silveira, Rodney Rauth, Rogério Borges, Sandra Köche y Simone Sgorla.


Sus ojos creativos vagan por las callejuelas de la casa de la pequeña que creció protegida por inmensos brazos de helechos, calaveras de papel, perros de arcilla, ocas de yeso, colosos de barro y gatos bípedos en Coyoacán, México. En una casa de paredes azules, cactus íntimos, mariposas garabatos y pequeños lagos de memorias diluidas.

Los recuerdos se escurren entre las manos de los artistas, en nuevas interpretaciones - pictóricas, dibujadas, esculpidas, poetizadas.
Para recrear el universo de Frida es preciso atravesar el espejo que la acompañó y reflejó toda su vida, instalado por su madre en la cubierta de su cama salvaje. También otros espejos pueden revelar a Frida, sólo hay que mirar en el ángulo correcto. Y eso es lo que estos doce artistas hacen con maestría.
(Otras pantallas que ella nunca pintó permanecen ocultas e intactas del otro lado del espejo).
Fuera de sus cuerpos y atados a Frida por hilos rojos vuelven a México, a París y a Nueva York. Durante el viaje, las cejas crecen, las piernas se afinan y el esqueleto estalla.
Vivimos hoy en una época marcada por la saturada replicación de caras en selfies y autorretratos de cámaras digitales tal y cómo Frida pasó toda su existencia intentando verse y creando autorretratos. Y hasta hoy todavía es posible verla (del otro lado espejo, acostada sobre la cama), replicando sus retratos, recreando los mismos sentimientos y recorriendo nuevos caminos.
Tal vez esta exposición sea una continuación de su trabajo, o hagamos eso con ella a través de los tiempos. Una historia que continuará siendo escrita a distancia y en diversas partes del universo.
Crear para hacerlo legítimo, palpable. Lo real sólo se vuelve real cuando se dibuja, se esculpe, se escribe y se fotografía.
Las caras de Frida flotan sobre un vasto mar rojo cadmio que baña las playas de los esqueletos de los encarnados, bajo la mirada atenta de aquellos que ya han subido y viven aquí, en lugares más altos que las piernas de los murales de Diego Rivera.
(Fabiano Vianna, Novembro 2017)

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Peixarias da infância


Para algumas pessoas, peixaria é sinônimo de nojo e mau cheiro. Para mim traz lembranças boas – quando ia com meu vô e minha vó, ao mercado de Guaratuba. Enquanto a outra parte da família direcionava suas cadeirinhas, isopores e guarda-sóis para a praia, eu, o vô e a vó praticávamos a análise das guelras dos peixes, a rigidez dos camarões, o frescor dos mariscos.
Minha vó sentava nos degraus para comer ostras frescas, abertas na hora, fornecidas pelo pescador ainda no barco.
Cheiro de frutos do mar, para mim, é aroma da infância.
O passado – este antigo mercado que hoje nem existe mais.
É claro que havia outro interesse – comprar um gibi de super-heróis na banca da praça (a única da cidade) no caminho de volta.  Gibi que eu lia entre um picolé e outro, na praia, protegido pela sombra do guarda-sol da família.
Lá pelas 13h voltávamos para casa. Parte da galera mandava ver na cozinha, e outros (como eu) cheirávamos as panelas. De vez em quando me arriscava na limpeza de um ou outro peixe.
Terminava de ler o gibi na rede até a hora do almoço.
Depois o dia seguia na velocidade normal e na manhã seguinte lá estávamos novamente – eu, o vô e a vó, para mais uma aventura no mercado. Entre linguados, salmões, robalos, polvos, lulas, ostras e camarões fantásticos.
Eu – um mero piá de prédio curitibano. Empolgado com criaturas marinhas e faminto por gibis.
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Por isso resolvi desenhar uma peixaria do Mercado Municipal. Escolhi a Keli Mozer porque fica numa das esquinas e possui um ângulo mais interessante. Croquizei de pé, para conseguir ver melhor os detalhes, em virtude à aglomeração de clientes. Curiosos e compradores, disputando pacotes de seres oceânicos, selecionando um ou outro peixe, analisando os preços nas plaquinhas, solicitando pesagens, pagando & pegando as compras.  As crianças impressionadas com as imensas postas e tentáculos.
Gosto do desafio de registrar o intervalo de tempo, desenhando alguns personagens de memória. Condensar a tarde toda numa única imagem. Risoto de sketch com memória de avós, aroma marítimo e tempero de zumbido urbano.
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Medida: 18 x 26 cm
Técnica: nanquim, aquarela, POSCA, tinta acrílica & lápis de cor
Papel Arches 300 g/m² satinado


(Fabiano Vianna, 25/07/15)



Do pontilhismo de Seurat às aquarelas do cotidiano


Neste final de semana voltamos ao Jardim Botânico – um parque solarizado e colorido de flores. Turistas, músicos, curtidores, atletas, namorados, pais, vikings [!]. Verdadeiro desfile de estampas e objetos habituais. Bonés, bolsas, tênis, carrinhos de bebês, bolas, celulares, bicicletas, moletons.
O costume parece o mesmo da época dos brothers impressionistas Seurat, Renoir, Monet, Degas – preencher os gramados, entre as árvores, sentar na grama, conversar com amigos, contemplar a luminosidade dos lagos e desenhar.
Pitoresco imaginar os impressionistas desenhando incólumes entre os citadinos, pintando quadros que se transformaram no registro mais potente de uma época. Potentes porque preservam, dentro de cada imagem estática, milhares de cenas não fotografadas.  E o mais irônico disso tudo é que o pontilhismo de Georges Seurat inspirou a criação da televisão, prensa e imagens digitais mais tarde.
Avante novos impressionistas!!

(Fabiano Vianna, 19/07/15)

Impressionistas contemporâneos no Jardim Botânico (ou USK Curitiba #4)

Foto: Davi Cavalheiro

Domingo na Ilha da Grande Jatte, Georges Seurat. 1884

A criação da bisnaga de tintas pelos holandeses, na época do Impressionismo, viabilizou que os artistas fossem para a rua pintar. Os desenhadores passaram a registrar o cotidiano urbano in loco. Cafés, cabarés, parques, ruas, estações. Concentraram-se na captura das diferentes atmosferas do dia, influenciados pela nebulosidade e luminosidade.
Este quadro de Georges Seurat – “Uma Tarde de Domingo na Ilha de La Grande Jatte” representa muito bem isso. A ambiência urbana, com seus transeuntes e roupas típicas. Na cena, inclusive, o rapaz que segura o cachimbo, o faz na mesma posição que alguém hoje manda um SMS, bate uma selfie ou conversa no celular.
É muito curioso comparar esta cena com nossas experiências urban sketchers e croquizeiras, mergulhados nas reuniões citadinas.
Neste final de semana voltamos ao Jardim Botânico – um parque solarizado e colorido de flores. Turistas, músicos, curtidores, atletas, namorados, pais, vikings [!]. Verdadeiro desfile de estampas e objetos habituais. Bonés, bolsas, tênis, carrinhos de bebês, bolas, celulares, bicicletas, moletons.
O costume parece o mesmo da época dos brothers Seurat, Renoir, Monet, Degas – preencher os gramados, entre as árvores, sentar na grama, conversar com amigos, contemplar a luminosidade dos lagos e desenhar.
Pitoresco imaginar os impressionistas desenhando incólumes entre os citadinos, pintando quadros que se transformaram no registro mais potente de uma época. Potentes porque preservam, dentro de cada imagem estática, milhares de cenas não fotografadas.  E o mais irônico disso tudo é que o pontilhismo do Seurat inspirou a criação da televisão, prensa e imagens digitais mais tarde.

(Fabiano Vianna, 19/07/15)


Foto de Washington Takeuchi



Chuva no MuMA


Terceiro encontro do Urban Sketchers Curitiba: MuMA (Museu Metropolitano de Arte), em frente ao movimentado Terminal do Portão. Chovendo muito. Resolver o traçado das linhas diagonais – brancas & cinzas com gotas pululando sobre os volumes foi um desafio. Desfile de guarda-chuvas e cachecóis num típico domingo invernal de bairro. Jovens torcedores passavam cantando e batucando em ônibus lotados – nem ligando para a chuvarada; protegidos pelas abas dos bonés. Senhoritas invernais atravessando na faixa molhada. Apenas embaixo da árvore é que os pingos davam alguma trégua, enquanto os urban sketchers desenham numa boa. Capturar a chuva é paralisar o tempo. Quantas gotas moram em um segundo?

(Fabiano Vianna, 12/07/15)



terça-feira, 2 de junho de 2015

Aquarelinhas do cotidiano



Você não pinta quadros maiores? Não. Minhas pinturas são assim mesmo – pequenininhas. Aquarelas do cotidiano. Com cores amareladas, tons rebaixados. Inspiro-me na singeleza das crônicas do Rubem Braga ou do Carlos Drummond de Andrade. Na “curitibânia” do fantástico e inspirador Luís Henrique Pellanda. 
E também é por isso que insiro personagens. No fundo tento desenhar histórias, na toada destes grandes mestres. 
Minhas aquarelas não se destacam na cruel concorrência dos quadros imensos. Juarez Machado, De Bona? Ai de mim! Minhas aquarelinhas são tipo miniconto do Dalton Trevisan. Ficam ali entre uma prateleira e outra, de preferência na parede mais escura (para proteger do sol). Apesar da discrição, possuem uma infinidade de acontecimentos – inclusive os não retratados. Como disse o meu amigo Raro de Oliveira : a primeira parte de uma crônica não continuada. 
Boas para carregar embaixo do braço. Levar na bolsa durante uma flanada na XV. Continuar a rabiscar na Confeitaria das Famílias ou em outro café.
Alguns escritores preferiram escrever contos a romances. Jorge Luís Borges, Murilo Rubião, Valêncio Xavier... 
Preferiram a concisão à prolixidade. 
Para mim a aquarela é como a crônica. Próxima do “narrador”. É aquele passarinho que pousa na janela de uma das casinhas do Bosque do Papa ou o vendedor de pipoca na Praça Tiradentes em dia de missa na Catedral.

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Aquarela:  Rua Schiller (também conhecido como Jardim Ambiental) para Cezar Tridapalli. Foi um desafio captar o astral exato desta rua tão única, com estas sombras, pássaros e movimentos tão próprios. Descobri que um dos detalhes primordiais eram os paralelepípedos circulares. 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Croquis Urbanos para mim

Rafael Pto

Desde que comecei a participar dos encontros semanais do “Croquis Urbanos”  – grupo que se encontra para desenhar a urbe, sinto-me mais vivo. É como se nanquim corresse em minhas veias e canetas brotassem de minhas mãos.
Desenhar é muito prazeroso.
Vivi durante muito tempo apenas ilustrando para clientes, muitas vezes em frente ao computador. Utilizando meu traço para resolver os “jobs” rotineiros. E estava infeliz (só) com eles por serem criações muito direcionadas.
No “Croquis”, redescobri um traço mais visceral, livre, solto. Voltei a experimentar grafismos e pintar com aquarela na rua. Sentir o cheiro da tinta e a textura dos papéis. A gramatura e consistência dos objetos voltaram a ser relevantes.
Algo que não fazia há muito tempo, desde a época que cursei Arquitetura e Urbanismo. Estar na rua – onde as histórias acontecem. Sujeito às dificuldades e alegrias de estar exposto. Clima, tempo, acontecimentos, surpresas... Malucos-beleza com visões duplicadas, travestis sedentos por desenhos safados, curiosos enigmáticos, cantores de praça, piás bisbilhoteiros, turistas interessados, alimentadores de pombos, fantasmas locais, senhoras fumantes, amantes inspirados, avôs, camelôs, ciclistas, escritores, floristas, mendigos, estudantes, cachorros, urubus e gatos citadinos.
Aliás, reencontrei antigos colegas do curso também. Depois de treze anos de formado.
Também conheci artistas fantásticos e entre eles, encontrei um mestre – José Marconi. Eu, que achava que não tinha mais idade para isto. Para viver experiências assistidas em filmes e/ou pertencer a um bando.
Relembrei ao lado destes colegas, conceitos de desenho de observação e proporção. Redescobri minha própria cidade. (Se ela realmente existe e não esteja diariamente sendo criada).
Das vezes que fomos desenhar “in loco”, mesmo de baixo de chuva, no manguezal (no caso da ida à Paranaguá) ou em condições difíceis.
Voltei a perceber Curitiba com olhos criativos (e não apenas através de um olho dispositivo de segurança – utilizado como ferramenta de combate). Todos os detalhes – cornijas, pilastras, peitoris, lambrequins, balaustradas.
Agora ando pelas ruas conjecturando temas a serem croquizados.
Desenhar para mim é como contar histórias. São crônicas gráficas, pois costumo inserir personagens cotidianos nelas.
Durante a semana, ainda faço trabalhos para clientes. Mas já divido meus horários com encomendas de pinturas e aquarelas pessoais. E estas novas criações, contrabalanceiam o stress do dia-a-dia. 
Há quem acredite que os encontros dominicais do grupo “Croquis Urbanos” só aconteçam em sonho. Uma espécie de delírio coletivo, orientado pela sugestão do evento no Facebook. Sonhamos que desenhamos. Ou é o contrário – sonhamos a rotina da semana e acordamos do transe aos domingos.


(Fabiano Vianna, 09/04/14)


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A croquizeira e o trem


Rubens Nemitz Jr

A croquizeira Giovanna Festa está nítida na excelente fotografia de Rubens Nemitz Jr. Concentrada e imóvel, frente a transitoriedade do movimento do trem/tempo. 

Enquanto o fotógrafo é capaz de registrar diversos segundos da passagem da locomotiva, a croquizeira só é capaz (geralmente) de um único desenho – mas que procura condensar (ou não) todo o período da manhã. 

Depois que o trem/tempo passa, resta o vazio. A locomotiva desaparece. Mas o croquizeiro não. E possuiu agora o desenho – que eu chamo de “uma infinita presença”. (F.V., 18/01/15)

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Sobre a imagem, o fotógrafo Rubens Nemitz Jr. escreveu:
Essa obra, em especial, foi a que exigiu maior precisão e percepção, e foi a primeira fotografia que fiz no domingo. Quando cheguei no Arquipélago, percebi o som do trem vindo lá dos cafundós. Busquei o melhor local, e fiz da árvore um monopé, necessário para essa longa exposição, a qual, tecnicamente à luz do dia, costuma ser o auge da complexidade (100mm, 1/15seg, f/18, ISO 100) quando não se tem à mão filtros de densidade neutra e outras "tintas para amenizar/ressaltar" foco e movimento. 
Embora a vermelhidão do trem cortando o túnel verde fosse predominante, enxerguei a cena toda em preto e branco; as cores dentro dos tons monocromáticos trouxeram o movimento à tona, dividiram o sol intenso das sombras, e o foco na artista seria meu punctum, receita a qual, aliada a nitidez que eu precisava, me traria a interação da tranquilidade humana presente num croquista, mesmo quando uma máquina mortífera avança correndo pelo metal quente. Foi este o objetivo desta obra, onde o "delicado som do trovão" soma àqueles que buscam utilizar sua luz. 

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Cachorrinhos e pássaros

Montagem de Washington Takeuchi, com desenhos dos croquizeiros na Praça do Japão, em 03/08/14. 

Anteontem chegaram dois velhinhos, bem velhinhos mesmo para ver meu desenho durante o encontro do Croquis Urbanos na Praça do Japão. Ela muito mais animada do que ele, com olhos estalados, comentou:
– Que lindos os cachorros, passarinhos! Oh como eu queria saber desenhar cachorrinhos e passarinhos! Gostaria de aprender só para desenhá-los!
E o velho, ranzinza, chateando-se com a empolgação da esposa, contestou prontamente:
– Que desenhar pássaros e cachorrinhos o quê! Você tá na idade de desenhar bengala, andador, cadeira de rodas, fraldão...
A velhinha, totalmente desanimada e ofendida virou-se para mim e disse:
– Viu só como ele me põe pra baixo? É assim! Por isso que eu não desenho! Por isso não faço nada.
Daí o senhorzinho continuou a andar, deixando-nos pra trás, e eu disse a ela:
– Deixe-o em casa com o fraldão e venha desenhar conosco aos domingos!
O velho agia como um corvo, rezingando no alto de um galho da cerejeira. Enquanto ela era uma querida poodle branca, com pelos bem crespos, eufórica, saltitando entre os croquis.



(Fabiano Vianna, 04/08/14)

Roupa suja se lava na praça!


Marlyn Tows

Ontem enquanto croquizávamos, um distinto senhor mendigo trajando trapos e gravata sobre camiseta rasgada atravessou a Praça Zacarias em direção a um bueiro. Retirou a tampa e adentrou até a cintura. Eu, André e MIsael, impressionados, achamos que sua intenção era cagar ou mijar lá dentro. Talvez aliviar nas águas violentas e misteriosas do Rio Ivo, que corre nos subterrâneos. Mas seu intento na verdade era outro, e sumiu de corpo inteiro para baixo da terra.
Alguns minutos depois, roupas voaram lá de dentro.Os pedaços de pano foram arremessados em direção à Praça. Um foi parar no banco, outro ficou pendurado na cobertura do ponto de ônibus, outro na cabeça da estátua...
Por pouco não atinge uma croquizeira nova que desenhava a águia maçônica do Edifício Acácia.
Eu e André ficamos na expectativa de descobrir o que havia lá embaixo, até que o homem enfim reapareceu. Primeiro a cabeça, depois a barba, gravata e o resto. Abandonou o buraco onde provavelmente mantém seu “armário” de roupa (há quem diga que os subterrâneos de Curitiba são habitados por basiliscos gigantes e que o maior deles repousa a cabeça sob a Catedral).
Então o mendigo caminhou pela Praça e escolheu uma das peças caídas – uma calça, e levou-a para lavar no chafariz.
Aparentemente era seu dia de lavar de roupas e, com ou sem croquizeiros, ele faria isso, claro!
Torcia e batia os panos no chafariz. Arrastava-os, circundando a “piscinona”, como se os levasse para passear. Depois os puxava com violência, respingando água para todo lado (e quase estragou a aquarela da Sueli Bmp). Assustando as pombas e nós – mais ainda.
A sua roupa limpa com água, tornava a sujar, passada sobre as merdas dos ratos voadores.
Depois de fazer isso com mais dois ou três mudas, desapareceu. Deixando algumas para secar sobre os petit pavés.
De repente olhei para a águia bicéfala e ela possuía uma nova forma. Uma cabeça de águia e outra de cueca.



(Fabiano Vianna, 11/08/14)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

XV-Wing


Primeiro croqui de 2014, encomendado pelo brother Washington Takeuchi. Esta área da Rua XV de Novembro, no centro de Curitiba, é a favorita dele. 
Propus que desenhasse da 'asa' do XV-Wing. No 2º andar da casa de sucos. Um lugar privilegiado da força, onde seres transitavam sem nos ver. Zumbis militares, senhores com barba-de-neve, periguetes deprimidas, senhores do ôro e da prata. 
Flanam sobre petit-pavés que viram pombas e tampas de bueiros que tamponam o subterrâneo (onde vivem serpentes gigantes e mutações que comem bacon). Criaturas energizadas por parcos raios de sol filtrados nas coberturas roxas de outrora... 
Takeuchi registrou tudo. Desde o papel branco, primeiros traços à aquarela finalizada. 





(Fabiano Vianna, Curitiba PR. 04/01/14)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Medalha na Rua São Francisco


Não me lembro de ter ganhado algum medalha na vida, pois nunca fui o mais veloz, nem bom nos esportes. Não jogava xadrez, tão menos lutei judô.
Na escola, ganhei alguns concursos de desenhos para capas do “Nossas Cabecinhas Todas Juntas” – uma antologia anual com redações dos alunos.
Meu negócio era mesmo o desenho.
E hoje fui condecorado por um amigo da rua.
Se não me engano o nome dele era Hudson. (Não consegui compreender, mesmo depois de perguntar três vezes).
Hudson estava meio chapado.
Ele disse que o meu desenho era coisa de doido, maluco e que eu tinha ido looooongeeee, alcançando até mesmo a torre da Igreja da Ordem.
Disse que não queria questionar meu profissionalismo, mas fazer um desenho como o que fiz (e que agora pertence ao brother croquizeiro Maurício Goez), não era coisa de gente normal. E eu merecia uma medalha por isso.
Eu ri e agradeci, lógico.
Despedimos-nos e ele pediu que eu levasse uma ‘fotocópia’ para ele. A coordenada seria a Rua do Rosário, onde ele trabalha durante a semana como guardador de carros.
Assenti e atravessei a rua em direção aos outros croquizeiros, ansioso e curioso para ver o que os amigos tinham feito.
Depois de um tempo, quando já iniciado nosso magnífico e estreante evento Croqui Secreto, Hudson voltou. E apareceu apenas para me entregar meu prêmio: uma medalha em forma de chaveiro, com o mapa do Panamá. 



Fotos por Cassio Shimizu


 Fotos por Rafael Pto

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Pizzaria Itália



A Pizzaria Itália é uma lanchonete totalmente vintage, no centro de Curitiba, que oferece uma vitamina psicodélica rosa, a qual possui uma receita secreta. Eu sei os ingredientes, mas não posso divulgar.
Frequento desde bem novo, quando ia para o centro com minha mãe. O acordo era que, depois de uma pernada pelas lojas, deveríamos sempre terminar o dia comendo uma pizza e bebendo uma vitamina. A pizza é vendida em fatias, e de sabor único: grossona com muito queijo.
Fica na Rua Cândido Lopes, perto das Lojas Americanas e Galeria Tijucas.
Com o tempo percebi que era o local ideal para detetives, pois as paredes são todas revestidas por espelhos. É possível observar o movimento de todos os ângulos e cuidado: o guardanapo não limpa! É daqueles que só espalha a gordura. Mas isto se torna tão habitual, principalmente pela forma que eles se alinham – parecendo montanhas em leque, que você passa a gostar.
Outro perigo é de você trocar de posição com seu reflexo e entrar na cidade errada. Quando isso acontece, você passa a segurar a caneta com a outra mão e tudo fica ao contrário. Relógios, volantes, placas, anúncios. Daí o negócio é voltar até a pizzaria e atravessar novamente o espelho. 

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A Casa Estrela

Foto de Washington Takeuchi

Acho que fui um dos cinco primeiros a chegar, quando encontrei o professor Ivens Fontoura – um dos responsáveis, ao lado de Claudio Forte Maiolino, pela reconstrução da Casa Estrela na PUCPR.
Ivens me explicou que o nome da casa é uma referência ao formato da construção, cuja planta é baseada em uma estrela de cinco pontas. E que em cada ponta da casa, existe um continente.
Construída em 1930 pelo exímio contador Augusto Gonçalves de Castro, a casa foi moradia da família até os anos 90. Vivendo entre gigantescos arbustos de hortências e raios solares diagonais.
Adepto da Teosofia e Esperanto, Castro escolheu dar uma forma à casa que simbolizasse os ideais pacifistas e de unidade dos povos que estas duas correntes expressam. O contador levou aproximadamente quatro anos para concluir a construção. (Mas há quem diga que esticou até o quinto, esmerando-se na pintura, só para fazer sentido).
O trabalho foi desenvolvido com auxílio de ferramentas precárias e um lampião de carbureto, sempre após o expediente normal na empresa Macchine Cottons onde exercia a função de contador.
A casa ergueu-se sob a luz do carbureto.
E, refeita, mantém esta atmosfera. O sol escorre pelas linhas das tábuas e dorme embaixo da pequenina escada, no porão. Por isso que às vezes não dá as caras aos curitibanos.

Mario Freitas

Paco Steinberg

Há quem diga: “A cobertura é feia, esquisita e foi estruturada toscamente – na base da tentativa-e-erro”. Mas quando vejo de cima, apaixono-me sempre. Sinto vontade de colocá-la no bolso. Existe para mim, muita beleza na concepção inocente. O telhado multifacetado obscurece a tacanhice dos construtores metodistas mascarados. Não há regras quando o efêmero transforma-se em eterno, nem quando a candura rege a verdade.
A casa está segura, sob as asas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e em nossa memória, ou seja, no tempo.
E se você captar o comentário “O carpinteiro deve ter improvisado”, responda que não existiu tal pessoa. Augusto construiu sozinho, munido apenas de uma serra de arco artesanal.
Ivens enumera-me uma quantidade incrível de personagens que fizeram parte da história da casa, e reforça que, conectados por linhas, formam inúmeros pentagramas sobrepostos.
Num deles está o automóvel marca Buick que Augusto trocou por um lote de madeira de pinho, vigas, vigotes, ripas e tábuas com 12 polegadas – ligado ao documento do alvará assinado pelo engenheiro Júlio Moreira, Diretor de Obras da Prefeitura de Curitiba.
Noutro, alfinetes com nomes dos teosóficos Pitágoras, Jakob Böhme, Helena Petrovna Blavatsky, Henry Steel Olcott e William Quan Judge. Justaposto ao traçado de um mapa do bairro Alto da Glória e interligado ao nome de Ludwik Lejzer Zamenhof – iniciador do Esperanto.
Em cada ponto em que as estrelas se tocam, cresceu uma árvore.
O Reitor Irmão Clemente Ivo Juliatto, que é um dos cinco que chegaram cedo, conta-me que o terreno da PUCPR onde a casa foi instalada era um espaço para mudas – das árvores a serem plantadas no campus. E que algumas raízes, depois de um tempo, ultrapassaram os pacotes e fixaram-se ao solo. O que me leva a pensar que elas queriam ficar ali, ou foram arquitetas e decididas dentro de um diagrama maior.

Paco Steinberg

Simon Taylor

Depois o dia correu no mais perfeito caos. Os croquiseiros chegaram, comemoramos seis meses de encontros ininterruptos e fizemos muitos desenhos. Muitos olhares e técnicas diferentes compuseram um panorama fantástico. E o sol, que mora no porão, se recolheu à tarde, abrindo caminho para uma tempestade fabulosa que rematou nossas atividades. (Por sorte Ivens trancou as aquarelas num baú).

Fabiano Vianna

Raquel Deliberali

Fabiano Vianna

Amir Samad Shafa

José Marconi

José Marconi

Dante Mendonça

Marina Luxi

Cassio Shimizu

Fabiano Vianna por Washington Takeuchi

E enquanto eu esperava um táxi no portão 1, contemplando a chuva, conversei com o guarda noturno da universidade, Diogo. Ele passa a noite toda acordado, na guarita. Ou caminhando durante aquele setor.  
Disse-me que algo paira sobre a Casa Estrela. Morcegos e Corujas sobrevoam o telhado todas as noites. As árvores movem-se ao contrário e sombras perambulam pelas pequenitas escadas.  E falou que, de vez em quando, no silêncio da madrugada, é possível ouvir a respiração ofegante de um homem trabalhando e o som de uma serra – cortando madeira.



(Fabiano Vianna, 02/09/13)